Pedro Sequeira, Professor Coordenador ESDRM – IPSantarém e membro do Centro de Investigação em Qualidade de Vida

*Artigo publicado no Número 1 da Newsletter do CIEQV, setembro de 2020

 

Assim que a pandemia foi declarada pela Organização Mundial da Saúde no dia 11 de março de 2020 (SNS, 2020) o Desporto Federado tomou decisões. Decisões surpreendentemente rápidas (em comparação com outras áreas da sociedade e dos seus respetivos líderes) que tiverem como única finalidade proteger atletas, árbitros, dirigentes e adeptos. Numa altura em que se debate sobre o impacto da “indústria” do desporto e de tudo o que a envolve, não deixa de ser interessante que num momento muito complicado e delicado da nossa sociedade não ter existido, visivelmente pelo menos, qualquer tentativa de travagem das decisões. As federações desportivas com número significativo de agentes desportivos em Portugal partilharem e articularam as suas preocupações, envolvendo também as instituições europeias e internacionais com o objetivo de atenuar o impacto da pandemia no desporto no nosso país.

Com um período alargado de suspensão quase total da atividade desportiva nasceu uma situação pouco usual no Desporto: estar parado. Os agentes desportivos, tiveram, desde o início, de começar a preparar o “após” pandemia, numa situação invulgar “sem rede de segurança”, dado que o momento delicado e incerto dificultava (e continua a dificultar) a projeção de cenários. Dando como exemplo, os praticantes. Sejam da formação ou do rendimento, um tempo de paragem prolongado (e não previsto) teve (e continua a ter em algumas modalidades e escalões de formação, pois ainda há muitos praticantes que não retomaram a sua prática regular) uma influência negativa em todo o desenvolvimento do praticante. Os treinadores tiveram e têm um papel fundamental na construção do “após” Covid-19 (entende-se como após, o retomar gradual da prática desportiva autorizada pelo Governo Português, seguindo as orientações da Direção Geral da Saúde).

Cabe aos treinadores conseguirem perceber como está o enquadramento dos seus praticantes, entre outros aspetos, ao nível familiar, profissional e psicológico. A sua intervenção tem de ter em conta as questões sociais individuais do praticante mas, ao mesmo tempo, utilizar este período como se de um período transitório se tratasse, e orientar os seus praticantes numa atividade mais generalista ou especializada, consoante o praticante, a sua modalidade, e as condições/locais que tem ao seu dispor sem por em causa a sua saúde e a saúde pública. Após isso, todo o processo de retoma e volta à normalidade tem de ser preparado e orientado com grande rigor e de forma progressivo, tendo em conta as adversidades, revés e obstáculos que a pandemia vai trazer aos praticantes e aos próprios treinadores. Tarefa muito complicada, certamente, mas muito importante.

O Covid-19 veio trazer aos Treinadores um conjunto de situações novas com que se vão confrontar nos próximos tempos (provavelmente anos). A formação de treinadores, atualmente legislada pela Lei 106/2019 de 6 de setembro e regulamentada pelo Programa Nacional de Formação de Treinadores (DRE, 2019) prevê o acesso ao Título Profissional de Treinador de Desporto através das seguintes vias: a) Cursos técnicos superiores profissionais, cursos superiores que confiram grau académico ministrados por instituições de ensino superior, na área de formação de educação física ou desporto acreditados e/ou registados nos termos da lei; b) Formação profissional na área do treino desportivo, designadamente no âmbito do Sistema Nacional de Qualificações; c) Qualificações profissionais obtidas através do reconhecimento, validação e certificação de competências adquiridas e desenvolvidas ao longo da vida, designadamente no âmbito do Sistema Nacional de Qualificações; d) Reconhecimento de competências profissionais e académicas; e) Qualificações profissionais reconhecidas nos termos da Lei n.º 9/2009, de 4 de março. As vias de formação (Federações, Ensino Superior, Entidades certificas) são obrigadas a seguir as orientações do Plano Nacional de Formação de Treinadores que impõe um currículo de formação exigente e competente.

Acrescido à formação que o Treinador é sujeito, a sua prática profissional diária, e ao longo dos anos, garante-lhe um conjunto de competências que lhe permitem um preparação segura de todo o processo de treino e competição, em toda a sua latitude (álbuns exemplos: Metodologia do Treino, Pedagogia do Desporto, Psicologia do Desporto, Componente Específica da Modalidade). A reflexão atual tem de ser esta: terá a formação adquirida pré-Covid todos os instrumentos necessários para o treinador conseguir ultrapassar esta fase inimaginável da nossa história, enquanto civilização? Haverá suficiente conhecimento para através da formação contínua durante-Covid dotar os treinadores das competências necessárias para treinar os praticantes durante este período? Daqui a uns tempos, haverá conhecimento suficiente para os treinadores saberem lidar com os seus praticantes no período pós-Covid e suas consequências?

A investigação sobre o impacto do Covid-19 em todas as áreas do treino desportivo (arrisco-me a dizer, em todas as áreas científicas) será fundamental para formar os treinadores para esta realidade, a já famosa “nova normalidade”. A grande questão é se o tempo é suficiente para a maturação dos conhecimentos e consequências. Não tendo o vírus ainda vivido um ciclo anual (passar por todas as estações do ano), são muitas as incertezas sobre o seu comportamento. Este período de incerteza não facilita a tarefa do treinador pelo conjunto de dúvidas ser ainda muito superior ao das certezas. No entanto, o treinador é treinado para, ao longo da sua vida, saber ultrapassar todo o tipo de obstáculos. Desde as lesões, à imprevisibilidade do comportamento dos praticantes no treino e na competição, às condições dos materiais e dos equipamentos, entre muitos outros obstáculos, o treinador aprendeu a planear baseado em incertezas. Porque o Desporto, foi, é, e se será sempre, caracterizado pela sua imprevisibilidade. O Covid-19 deve ser visto como um (enorme) desafio onde o treinador deve ir buscar às profundezas dos seus conhecimentos as competências necessárias para intervir face aos seus praticantes. A formação, no entanto, tem um papel fundamental para apoiar o treinador nesta caminhada.

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DRE (2019). Lei n.º 106/2019 de 6 de setembro. https://dre.pt/application/conteudo/124500720, consultado no dia 21/09/2020.

SNS (2020). Covid-19 | Pandemia. https://www.sns.gov.pt/noticias/2020/03/11/covid-19-pandemia/, consultado no dia 21/09/2020.

Sequeira, P. (2020). O desporto e o Covid-19: planear e preparar o “após”. In Jornal O Jogo, https://www.ojogo.pt/opiniao/cronistas/pedro-sequeira/noticias/o-desporto-e-o-covid-19-planear-e-preparar-o-apos-11928945.html, consultado no dia 21/09/2020.