Autora: Paula Pinto

Professora Coordenadora, Escola Superior da Agrária – Instituto Politécnico de Santarém, Portugal
Membro Integrado do Centro de Investigação em Qualidade de Vida, na área científica de Produção e Tecnologia Alimentar / Comportamento Alimentar

 

A alteração no padrão geral da dieta é um dos fatores principais para a prevenção de doenças crónicas não transmissíveis (DCNT), aliado a outros fatores de um estilo de vida saudável como a atividade física regular e o número de horas de sono adequadas [1, 2]. Ao longo de décadas, vários estudos científicos têm vindo a destacar os benefícios da Dieta Mediterrânica (DM) na saúde, longevidade e bem-estar [3-6]. Para além destes aspetos, a DM é considerada um dos padrões alimentares mais sustentáveis, devido à promoção do consumo de alimentos sazonais, produzidos localmente, e a um baixo consumo de carne [7]. Reconhecida pela UNESCO como Património Intangível da Humanidade em 2010, a DM vai para além do mero consumo de alimentos saudáveis e sustentáveis, englobando um modelo cultural, onde a atividade física regular, o descanso adequado e o convívio têm um papel fundamental [7]. As recomendações alimentares da DM baseiam-se no consumo frequente de alimentos tradicionalmente produzidos nas regiões mediterrânicas: cereais, frutos, vegetais e o azeite utilizado para cozinhar e temperar alimentos. Com moderação devem ser consumidos os laticínios, de preferência magros, e o pescado. De consumo reduzido destacam-se as carnes processadas e carnes vermelhas, assim como os doces e produtos de pastelaria. A água deve ser o líquido ingerido preferencialmente, e o vinho, também tradicional nas regiões mediterrânicas, deve ser consumido com moderação [7, 8].

O conceito de bem-estar está incorporado na definição de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS): “saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença” [9]. O aumento do bem-estar da população europeia foi uma das prioridades chave do programa Europeu 2015-2020 [10]. Os indicadores de bem-estar da população englobam medidas objetivas, como a educação, a segurança, o rendimento e a qualidade do meio ambiente. No entanto, o bem-estar é influenciado por fatores culturais, tradições e crenças, pelo que deve também incluir uma dimensão subjetiva baseada na autoavaliação de um conjunto de parâmetros psicológicos associados ao bem-estar [10, 11]. Ao nível das ciências comportamentais, emergiram duas vertentes filosóficas associadas à dimensão subjetiva de bem-estar: bem-estar hedónico e bem-estar eudemónico [12]. O bem-estar hedónico, mais associado à designação de bem-estar subjetivo, é entendido como uma avaliação da qualidade de vida da pessoa, na perspetiva da própria pessoa. Envolve uma avaliação cognitiva, sendo a mais utilizada a avaliação da satisfação global com a vida, numa escala de 0 a 10, e avaliações baseadas em estados emocionais, por exemplo, felicidade, depressão e preocupação [13]. O bem-estar eudemónico, também por vezes designado de bem-estar psicológico, engloba aspetos interpessoais e intrapessoais do funcionamento normal da vida, por exemplo, relações positivas com os outros, autonomia, autoaceitação, e o sentido de florescimento e de propósito de vida [14].

Embora muitos estudos evidenciem a importância da dimensão subjetiva do bem-estar na saúde, a maioria foca-se unicamente na vertente hedónica. Considerando que na base do conceito de bem-estar subjetivo está uma autoavaliação da pessoa da sua própria qualidade de vida, e que, quer avaliações hedónicas, quer avaliações eudemónicas, são perspetivas individuais, entendemos que ambas as vertentes são igualmente importantes e, como tal, devem ser incluídas na avaliação do bem-estar subjetivo. Com esse propósito, tem sido desenvolvido desde 2019 o projeto Mediterranean Diet and Well-Being (MeDiWeB), o qual inclui um consórcio de sete países do Sul da Europa, cinco mediterrânicos: Portugal (PT), Espanha (SP), Itália (IT), Grécia (GR) e Chipre (CY), e dois não mediterrânicos: Bulgária (BG) e República do Norte da Macedónia (NMK). Os objetivos deste projeto foram: i) validar um instrumento comum para monitorização da adesão à DM; ii) validar um índice comum para monitorização do bem-estar subjetivo que inclua as dimensões hedónica e eudemónica; iii) estudar a associação entre a DM e outros fatores de estilo de vida, e o bem-estar subjetivo [15].

O projeto foi aprovado pela comissão de ética da Unidade de Investigação do Instituto Politécnico de Santarém (022019Agrária). Numa primeira fase foi validado o instrumento de avaliação da adesão à DM utilizado no estudo PREDIMED [16], o Mediterranean Diet Adherence Score (MEDAS), nos sete países do consórcio. Esta validação foi feita com base na comparação entre um questionário de frequência alimentar, contendo as 14 perguntas necessárias ao cálculo do MEDAS, e os diários alimentares de três dias dos participantes [17]. Pela primeira foi utilizada a mesma metodologia para validação simultânea do MEDAS em diferentes países. Os resultados indicaram uma validação adequada deste instrumento para monitorizar e comparar a adesão à DM da população adulta nestes países [17].

Após o término da fase de validação, foi desenhado um questionário que permitisse explorar a associação entre a adesão à DM, o bem-estar subjetivo e outros fatores de estilo de vida. A construção do questionário foi realizada com base nas recomendações da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) [13] e incluiu i) questões demográficas –  nacionalidade, país de residência, idade, sexo, estado civil, escolaridade, posição no mercado de trabalho, rendimento; ii) avaliação do estado de saúde – peso e altura, para cálculo do índice de massa corporal, patologias diagnosticadas;  iii) parâmetros relacionados com estilo de vida – hábitos alimentares, adesão à dieta mediterrânea pelo cálculo do MEDAS, hábitos tabágicos, atividade física, sono, socialização, contacto com a natureza; iv) parâmetros de bem-estar subjetivo – 5 itens propostos pela OECD [13], satisfação global com a vida, sentido de significado da vida, sentimentos de felicidade, preocupação e depressão; 3 itens retirados da escala de perceção de stress de Cohen [18], sentimento de confiança suas capacidades, sentimentos de stress e de incapacidade de lidar com o dia a dia; 3 itens retirados da escala de perceção de fadiga de Lee [19], sentimentos de energia, eficiência e de cansaço. Foi solicitada autorização dos autores para utilização dos itens referidos. Todos os itens foram avaliados numa escala de 0 a 10, onde 0 é nunca/o pior possível, e 10 é sempre/o melhor possível. O questionário foi traduzido para cada uma das línguas nacionais e distribuído online para recolha de dados, entre abril de 2019 e março de 2020, antes do confinamento imposto pela pandemia COVID-19 (a versão inglesa do questionário pode ser consultada no material suplementar de um dos artigos publicados pelo consórcio [20]). Um total de 3145 participantes, com idade superior a 18 anos, foi elegível para análise (com 300 a 500 participantes por país).

A análise dos valores MEDAS obtidos para cada um dos países envolvidos neste estudo mostrou uma diferença significativa na adesão à DM entre países mediterrânicos e países não mediterrânicos (p < 0.01), com a maioria dos participantes de países mediterrânicos classificados na categoria de adesão moderada (68%, MEDAS entre 6 a 9), enquanto que nos países não mediterrânicos, a maioria dos participantes foi classificado na categoria de adesão baixa (51%, MEDAS ≤ 5) [21].  Foram igualmente encontradas diferenças significativas entre os valores médios obtidos nos diferentes países, com o seguinte ranking: SP (7,90 ± 1,72), PT (7,38 ± 2,10), GR (7,13 ± 2,03), IT (6,80 ± 1,54), CY (6,12 ± 1,99), BG (5,80 ± 1,80), e NMK (5,30 ± 1,80). É preocupante verificar que mesmo nos países mediterrânicos apenas uma pequena percentagem dos participantes se encontrou classificado na categoria de elevada adesão (11%, MEDAS ≥ 10) [21]. De forma a averiguar quais os hábitos alimentares que poderiam explicar estes resultados, foi analisada a percentagem de participantes que cumpria com os critérios definidos para o cálculo do MEDAS. Os resultados indicaram um consumo diário de azeite, tal como característico das regiões mediterrânicas, mas apenas 30% dos participantes cumpriu o critério das 4 colheres de sopa ou mais de azeite por dia.  A maioria dos participantes também não consumiu as quantidades recomendadas na DM de frutos (3 porções por dia), vegetais (2 porções por dia), leguminosas (3 porções por semana), frutos oleaginosos (3 porções por semana), e peixe (3 porções por semana) [21]. Os resultados apontam a necessidade do reforço de políticas e programas que incentivem os cidadãos a aderirem a hábitos alimentares saudáveis, característicos da DM.

No que respeita ao bem-estar subjetivo, foi feita uma análise dos cinco itens da OECD (satisfação com a vida, sentido de significado da vida, sentimentos de felicidade, preocupação e depressão) e sua relação com a DM na amostra portuguesa. A soma destes cinco itens (após inversão dos sentimentos de preocupação e depressão) permitiu definir um índice de 5-itens de bem-estar e três perfis de bem-estar subjetivo: elevado (índice médio de 8,2 ± 1,3), moderado (índice médio de 6,2 ± 1,6), e baixo (índice médio de 3,9 ± 1,0), aos quais estão significativamente associados valores decrescentes de adesão à DM (MEDAS = 7,8 ± 1,9; 7,3 ± 2,1; e 6,5 ± 2,1, para os perfis elevado, moderado e baixo, respetivamente) [20].

A análise de componentes principais com todas as variáveis de bem-estar subjetivo recolhidas permitiu já validar um construto de 9 itens em cinco dos sete países do consórcio, encontrando-se em fase de análise a correlação deste construto com fatores de estilo de vida, incluindo a adesão à DM. Pretende-se definir um instrumento que englobe a dimensão hedónica e eudemónica, e assim permita monitorizar de forma mais abrangente o bem-estar subjetivo em diferentes países. Esta monitorização é cada vez mais importante numa sociedade sujeita a desafios económicos, sociais e ambientais, e onde as doenças mentais têm vindo a escalar. Por outro lado, a saúde, incluindo a saúde mental, está positivamente associada a comportamentos de estilo de vida saudável, onde a DM tem um lugar preponderante como modo de vida saudável e sustentável. Assim, é essencial continuar a investigar a relação DM/bem-estar subjetivo, de forma a compreender os co-benefícios associados e a sua tradução em políticas que permitam melhorar o bem-estar dos indivíduos e da sociedade.

 

Artigo publicado na Newsletter de maio-junho de 2021 do CIEQV