Autor: Christophe Domingos

Bolseiro Investigador Pós-doutoramento no Centro de Investigação em Qualidade de Vida, na área de Atividade Física e Estilos de Vida Saudáveis

 

O primeiro eletrocorticograma (em contacto direto com o cérebro) foi construído pelo médico Hans Berger, em 1924, mas só 5 anos depois foi possível registar a atividade elétrica (EEG) através da superfície do crânio (Kaiser, 2005). Após a descoberta da atividade elétrica no cérebro, muitos avanços científicos foram feitos para entender melhor como é que essa atividade elétrica se comporta e como regulá-la. Desse modo, várias técnicas surgiram para registar e/ou regular essa atividade, como:

  • Eletroencefalografia (EEG) (He, Yang, Wilke, & Yuan, 2011);
  • Tomografia computorizada por emissão de positrões (PET) (Gevins, Le, Brickett, Reutter, & Desmond, 1991);
  • Ressonância magnética funcional (fMRI) (He et al., 2011);
  • Espectroscopia de infravermelho próximo (NIRS) (Naseer & Hong, 2015);
  • Tomografia computorizada por emissão de fotão único (SPECT) (Lu & Yuan, 2015).

 

Bandas elétricas cerebrais – Definições e aplicações clínicas

O EEG consiste na avaliação da atividade bioelétrica do cérebro obtida com elétrodos colocados na superfície cranial e mede a diferença de potencial entre dois pontos cerebrais distintos ao longo do tempo (Hatfield, 2018). São necessários milhares de neurónios subjacentes ativados conjuntamente (ativação sincronizada) para gerar um sinal de EEG (da Silva, 2013). Apesar de ser um método bastante utilizado, há outras interferências que devem ser consideradas: a composição dos tecidos entre o couro cabeludo e os sinais elétricos (líquido cefalorraquidiano, crânio e pele) (da Silva, 2013). De forma a ser registado corretamente o sinal de EEG, vários elétrodos são colocados no crânio seguindo as regras do sistema internacional de colocação de elétrodos 10-20, proposto por Jasper em 1958 (Jasper, 1958). A grande vantagem do EEG em relação às outras técnicas é a sua resolução temporal instantânea (Schomer & Da Silva, 2012).

 

Bandas elétricas cerebrais

Banda Delta (BD)

Esta banda é caracterizada por ter a maior amplitude e a menor frequência de todas as bandas elétricas neurais (Thompson, Thompson, & Reid-Chung, 2015). É comumente encontrada com maior predominância em bebés e crianças pequenas quando acordadas ou em pessoas com lesão cerebral (Thompson et al., 2015). Vinculado a um caso clínico (esquizofrenia), redução da atividade da BD, combinado com aumentos da atividade da banda alfa padrão (BAP) e diminuição da atividade da banda beta (BB) demonstraram ter os melhores resultados para o tratamento desta patologia (Bolea, 2010).

 

Banda Teta (BT)

Uma maior atividade da BT é representada por um estado de relaxamento (entre a vigília e o sono – sonolência) (Davis & Kaye, 2020) e as suas ondas elétricas são produzidas no hipocampo (Steriade, 2005). Também está relacionado com estados mentais associados a reflexões ou situações imaginativas (memória episódica) (Reiner, Rozengurt, & Barnea, 2014). Por outro lado, investigações em idosos com níveis anormalmente elevados de atividade da BT revelaram que as funções executivas, processamento verbal e atenção melhoraram quando a presença desta banda se encontrava diminuída (Becerra et al., 2012). Por outro lado, o aumento da atividade da BT mostrou resultados significativos na memória de trabalho em idosos (Wang & Hsieh, 2013).

 

Banda Alfa Padrão e Banda Alfa Individual (BAP e BAI)

Existem vários autores que sugerem diferentes intervalos para a BAP (Bauer, 1976; da Silva, 2013; Klimesch, 1999; Steriade, 2005; Thompson et al., 2015). O ideal será trabalhar na banda alfa individual (BAI) para se especializar um potencial treino por neurofeedback (Bazanova & Mernaya, 2008). Estas podem ser encontradas em maior atividade na área occipital (Olejniczak, 2006). Esta banda também está associada ao foco em tarefas concretas, uma vez que altos valores de atividade da BAP são associados à inibição cortical (ocorre um aumento na atividade cortical do BAP em áreas do cérebro responsáveis ​​pela informação proveniente de fontes de distração) (Hsueh, Chen, Chen, & Shaw, 2016) e estados de alerta e meditação (Friel, 2007). Por outro lado, a atividade cortical da BAP está relacionada com um bom desempenho da perceção da visão central (Hanslmayr et al., 2007). Associações com o pico de frequência alfa (PFA) também foram encontrados, mostrando que um PFA com maior amplitude representa melhor concentração e estados de relaxamento (Angelakis et al., 2007). Esta banda é uma das mais estudadas e está relacionada com melhorias, por exemplo, em desempenhos artísticos, como a música (Silvana, Nada, & Dejan, 2008) e dança (Raymond, Sajid, Parkinson, & Gruzelier, 2005), velocidade de processamento em idosos (Angelakis et al., 2007), desempenho de rotação mental (Nan et al., 2012), memória (maior BAP relacionado a melhorias na memória) (Guez et al., 2015), habilidades cognitivas gerais (Zoefel, Huster, & Herrmann, 2011) e regulação da ansiedade (Rice, Blanchard, & Purcell, 1993) e níveis de stress (Marzbani, Marateb, & Mansourian, 2016). No contexto clínico, verificou-se que altos níveis de atividade no lado esquerdo da região frontal estão relacionadas com a depressão (Reznik & Allen, 2018).

 

Banda de ritmo sensório-motor (RSM)

Esta banda de frequência começou a ser estudada em gatos e percebeu-se que aumentos da atividade cortical estavam associados a um estado de calma antes da ação (Ossadtchi, Shamaeva, Okorokova, Moiseeva, & Lebedev, 2017). Está associada aos mecanismos tálamo-corticais e tem sido usada principalmente para tratar a epilepsia (inibição de mecanismos talâmicos) (Sterman, 2000).

 

Banda beta (BB)

Esta banda está essencialmente associada ao estado de alerta, memória, atenção, melhora dos resultados académicos, insónias e impulsividade (Holtmann, Sonuga-Barke, Cortese, & Brandeis, 2014; Marzbani et al., 2016). Quando a atividade é alta, também podem estar associados à ansiedade e estados de tensão (Thompson et al., 2015). No domínio clínico, um aumento anormal da atividade da BB associada a uma diminuição da atividade da BAP está relacionada com a esquizofrenia (Surmeli, Ertem, Eralp, & Kos, 2012).

 

Banda gama (BG)

Aumentos da atividade elétrica da banda podem ser associados a uma melhor resolução de problemas, memória, atenção e inteligência (Keizer, Verment, & Hommel, 2010; Keizer, Verschoor, Verment, & Hommel, 2010; Staufenbiel, Brouwer, Keizer, & van Wouwe, 2014).

Embora frequências mais altas pareçam estar associadas a estados mentais mais ativos, o comportamento das bandas não atua separadamente (Gruzelier & Egner, 2005; Marzbani et al., 2016).

 

Atividade elétrica cerebral e desempenho desportivo

Banda delta

A amplitude desta banda é mais forte nas regiões parietal e occipital na elite de modalidades como a ginástica e atletas de desporto de combate (karaté) em comparação com não atletas (Babiloni, Marzano, Iacoboni, et al., 2010). Em relação à conectividade ou coerência cerebral, conforme definido por Tharawadeepimuk e Wongsawat (2017), atletas que apresentaram melhor desempenho (tomada de decisão) tiveram uma maior conectividade em comparação com as condições normais (Tharawadeepimuk & Wongsawat, 2017).

 

Banda teta

Semelhante ao encontrado no estudo de Babiloni e colaboradores (2010), níveis mais elevados de BT são encontrados nas regiões occipitais em atletas de Karaté em comparação com amadores e não atletas (Babiloni, Marzano, Iacoboni, et al., 2010). Um estudo preliminar verificou que os níveis de atividade da BT na área frontal permaneceram estáveis na fase preparatória de lançamentos bem-sucedidos, comparativamente a lançamentos falhados (Chuang, Huang, & Hung, 2013). Em oposição aos resultados encontrados no estudo anterior, a BT na área frontal diminui significativamente nas melhores tacadas realizadas por jogadores de golfe (Cooke et al., 2014; Kao, Huang, & Hung, 2013). Atletas profissionais de lançamento do dardo (não confundir com disciplina do atletismo) não tiveram alterações da BT no momento do lançamento quando comparados com amadores (Cheng et al., 2015). Também não foram encontradas alterações significativas em nadadores que estavam a realizar treino cinestésico e visualização (Wilson et al., 2016). Na elite de ténis de mesa, no início da execução motora, verificou-se uma coerência mais forte entre a área temporal direita e a área premotora quando comparado a desportistas amadores (Wolf et al., 2015). Um estudo que teve como objetivo verificar o comportamento de sedentários e atletas sujeitos a um ambiente hostil, verificou que os sedentários apresentaram maior atividade de BT (maior estado de alerta cortical e alerta) do que os atletas, no entanto, pode significar que os atletas conseguem adaptar-se melhor sob situações de elevados níveis de stress (Bayazit & Ungur, 2018).

 

Banda alfa

A BAP é uma das mais estudadas no domínio do desporto. Em 1990, um estudo conduzido em atletas de tiro ao alvo mostrou que piores tiros levam a um aumento do BAP e BB no hemisférico esquerdo do que em melhores tiros (Salazar et al., 1990). Resultados semelhantes foram encontrados em atletas de tiro ao alvo novatos (Landers et al., 1994) e em jogadores de golfe (onde a diminuição na BAP estava relacionada com menores erros na distância do buraco) (Cooke et al., 2014). Da mesma forma, ginastas profissionais e não ginastas foram convidados a avaliar uma série de vídeos relacionados com os seus desempenhos e avaliar o nível artístico ou atlético do exercício. A dessincronização relacionada ao evento da BAP (DRE) foi menor nos atletas profissionais em comparação com os atletas não profissionais em ambas as áreas occipitais e temporais. Já alta frequência de DRE da BAP foram relacionadas à correta avaliação de erros (Babiloni et al., 2009; Babiloni, Marzano, Infarinato, et al., 2010). Balioz e Krivoshchekov (2012) conduziram um estudo interessante sobre quais é que seriam os efeitos do ambiente (hipoxia aguda) nos parâmetros de EEG em nadadores. Percebeu-se que existem mecanismos compensatórios no ritmo de EEG durante a exposição (Balioz & Krivoshchekov, 2012). Uma mudança na assimetria temporal da BAP em atletas profissionais de ténis de mesa revelou menos atividade no hemisfério esquerdo, o que por sua vez está associado a melhores posições no ranking mundial (Wolf et al., 2015).

 

Banda RSM

Um estudo recente mostrou que o desempenho do tiro ao alvo estava associado a níveis de atividade elétrica mais elevados de RSM (devido à interferência reduzida do processamento sensoriomotor) no período preparatório (Harkness, 2009). Resultados semelhantes foram encontrados num estudo anterior com especialistas de lançamento de dardo (atletismo) comparativamente aos lançadores de dardo novatos (Babiloni et al., 2009).

 

Banda beta

Aumentos tanto na BAP quanto na BB estão associados à decisão de rejeitar um tiro (Poldrack, 2015). Além disso, redução na BB em associação com reduções em ambas as BT e BAP foram encontrados em especialistas em comparação com novatos durante os segundos anteriores a uma tacada bem sucedida (Sakai, Yagi, & Ishii, 2012). Melhor desempenho no tiro ao alvo foi correlacionado com melhor coerência entre a área temporal esquerda e a área central (T3 e C3) (Hosseini & Norouzi, 2017).